The Last of Us: Entre a Ficção Apocalíptica e a Ciência Real

Uma análise científica da plausibilidade de uma pandemia fúngica como a retratada em The Last of Us, explorando a biologia do Cordyceps, as estratégias de sobrevivência e as tecnologias adaptativas que conectam este universo fictício à nossa realidade.

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Por Dr. Orion Vega

4/3/20255 min ler

Pôsteres de The Last of Us com três personagens em cenário pós-apocalíptico da série HBO Max.
Pôsteres de The Last of Us com três personagens em cenário pós-apocalíptico da série HBO Max.

Imagine um mundo onde um fungo microscópico evolui para infectar humanos, transformando-os em criaturas agressivas e irracionais, enquanto a sociedade como conhecemos desmorona em questão de dias. Este é o cenário que o aclamado jogo e série The Last of Us nos apresenta. Mas quão próxima esta distopia está da nossa realidade? Poderia um fungo realmente nos levar à beira da extinção?

Como cientista que dedica seu tempo a analisar a linha tênue entre a ficção científica e as possibilidades tecnológicas reais, mergulhei neste universo sombrio para separar os fatos da ficção. Preparem-se para uma jornada fascinante pelo mundo dos fungos manipuladores, biotecnologia avançada e estratégias de sobrevivência apocalíptica.

O Cordyceps: Um Fungo Fascinante e Aterrorizante

A Realidade Por Trás do Vilão Fúngico

O Ophiocordyceps unilateralis, mais conhecido como "fungo zumbi", é real e absolutamente fascinante. Na natureza, ele infecta formigas, assume o controle de seus sistemas nervosos, e as força a escalar plantas para espalhar seus esporos – um comportamento que foi meticulosamente reproduzido na ficção de The Last of Us.

Pesquisadores da Penn State University, como David Hughes, têm estudado extensivamente como o Cordyceps manipula o comportamento do hospedeiro para seu próprio benefício reprodutivo, revelando estratégias evolutivas surpreendentemente sofisticadas para um organismo aparentemente simples.

O interessante é que existem aproximadamente 400 espécies conhecidas de Cordyceps (considerando a reclassificação taxonômica recente), cada uma evoluindo para parasitar um hospedeiro específico. Alguns são até usados na medicina tradicional chinesa por suas propriedades imunomoduladoras.

Poderia o Cordyceps Evoluir para Infectar Humanos?

Aqui está o ponto crucial onde a ficção começa a se distanciar da realidade atual: até o momento, nenhuma espécie de Cordyceps evoluiu para infectar mamíferos, muito menos humanos. Nosso sistema imunológico é significativamente mais complexo e nossa temperatura corporal mais elevada cria um ambiente hostil para estes fungos.

No entanto, pesquisas conduzidas por cientistas como Arturo Casadevall, da Universidade Johns Hopkins, alertam que as mudanças climáticas estão elevando as temperaturas globais, permitindo que alguns fungos se adaptem a ambientes mais quentes. Isso potencialmente poderia diminuir a barreira térmica que historicamente tem protegido mamíferos de certas infecções fúngicas.

Este fenômeno já está ocorrendo com o Candida auris, um fungo resistente a medicamentos que emergiu simultaneamente em três continentes diferentes, aparentemente em resposta ao aquecimento global.

Biotecnologia e Adaptação Humana em Cenários Apocalípticos

A Busca por uma Vacina na Ficção e Realidade

Em The Last of Us, acompanhamos a jornada em busca de uma possível cura baseada na imunidade natural de Ellie. Esse conceito de utilizar indivíduos naturalmente imunes para desenvolver tratamentos não é apenas plausível – é uma prática estabelecida na imunologia moderna.

Durante a pandemia de COVID-19, observamos em tempo real como cientistas conseguiram desenvolver vacinas em tempo recorde utilizando tecnologias inovadoras como mRNA. Imaginem agora como seria esse processo em um mundo com infraestrutura colapsada e recursos limitados.

Especialistas do Instituto Butantan, um dos principais centros de pesquisa biomédica do Brasil, apontam que a maior barreira para o desenvolvimento de vacinas em um cenário de crise extrema não seria necessariamente o conhecimento científico, mas a manutenção da infraestrutura laboratorial e a capacidade de produção em larga escala.

Estratégias de Sobrevivência e Organização Social

As zonas de quarentena militarizadas, comunidades isoladas e grupos nômades retratados na série representam respostas plausíveis a um colapso social generalizado. Historiadores apontam que, durante crises extremas, os humanos tendem a se reorganizar em estruturas tribais com forte ênfase em proteção e acesso a recursos.

O fascinante é que pesquisas recentes em psicologia de desastres mostram que, ao contrário da anarquia retratada em muitas ficções apocalípticas, os humanos frequentemente demonstram altruísmo e cooperação durante crises extremas.

Segundo estudos conduzidos por Rebecca Solnit, autora de "A Paradise Built in Hell", o comportamento humano em situações de crise extrema frequentemente evolui de uma resposta inicial de sobrevivência individual para dinâmicas mais coletivas e protetoras – um padrão que podemos observar na trajetória dos personagens de The Last of Us.

As Tecnologias de Sobrevivência: Entre a Ficção e a Inovação Real

Adaptações Tecnológicas em um Mundo sem Infraestrutura

Um dos aspectos mais intrigantes de The Last of Us é a demonstração de como tecnologias simples ganham novo valor em um mundo sem eletricidade ou produção industrial. Rádios à manivela, sistemas de purificação de água improvisados e técnicas de agricultura urbana não são apenas elementos de cenário – são inovações que já estão sendo desenvolvidas para comunidades isoladas e situações de desastre.

As tecnologias de sobrevivência retratadas na série não estão tão distantes da realidade. A NASA e a FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências dos EUA) desenvolvem continuamente sistemas de sobrevivência para situações extremas que incorporam princípios semelhantes de adaptabilidade e eficiência com recursos limitados.

Biomimética: Aprendendo com a Natureza para Sobreviver

Um conceito que The Last of Us explora indiretamente é a biomimética – a prática de emular estratégias da natureza para resolver problemas humanos. A forma como os sobreviventes adaptam ambientes urbanos para agricultura vertical reflete tecnologias que estão surgindo em nossas cidades hoje.

A Universidade de Wageningen, na Holanda, já desenvolve sistemas de agricultura vertical que poderiam alimentar comunidades inteiras em espaços urbanos reduzidos, mesmo com recursos limitados – uma tecnologia que seria valiosa no mundo de Joel e Ellie.

Conclusão: O Que Podemos Aprender com o Apocalipse Fictício?

O universo de The Last of Us nos oferece mais do que entretenimento – proporciona um experimento mental sobre como nossa sociedade e tecnologia poderiam se adaptar a uma crise existencial. Embora um apocalipse fúngico nos moldes da série seja improvável (por enquanto), muitas das tecnologias e comportamentos retratados têm fundamentos científicos sólidos.

Como cientistas, observamos estas narrativas com um misto de fascínio e cautela. Elas nos lembram tanto da fragilidade dos sistemas humanos quanto da notável capacidade de adaptação e sobrevivência que nossa espécie possui.

Da próxima vez que você assistir a Joel e Ellie navegando pelas ruínas de uma civilização, lembre-se: embora o fungo Cordyceps controlador de mentes humanas permaneça no reino da ficção, muitos dos outros elementos científicos e tecnológicos estão mais próximos da realidade do que gostaríamos de admitir.

E você, acredita que estaríamos preparados para um cenário catastrófico como o de The Last of Us? Compartilhe suas teorias nos comentários abaixo e não se esqueça de conferir nosso próximo artigo sobre as tecnologias de teletransporte em Star Trek e sua viabilidade científica!

Dr. Orion Vega é biólogo molecular e consultor de tecnologias emergentes, com especialização em interfaces entre ficção científica e inovação tecnológica. Quando não está analisando fungos exóticos ou testando protótipos de purificadores de água solares, pode ser encontrado catalogando sua vasta coleção de memorabilia de Star Trek.